No sistema tributário atual, certas entidades sem fins lucrativos podem usufruir de imunidades, isenções e outros benefícios fiscais específicos, essenciais à manutenção de suas atividades, desde que cumpram com certos requisitos. Por isso, é imprescindível entender os possíveis impactos e alterações a partir da Reforma Tributária sobre o consumo (EC 132/2023), atualmente em fase de regulamentação no Congresso Nacional (PLPs 68/2024 e 108/2024).
De início, importante a distinção conceitual entre imunidades e isenções e seus impactos atualmente aplicáveis ao terceiro setor.
Imunidades são disposições constitucionais que dispõem sobre certas situações, coisas ou pessoas sobre as quais os entes tributantes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) não podem instituir tributos: não há, portanto, competência para tributar. Por outro lado, as isenções são disposições infraconstitucionais pelas quais os entes tributantes escolhem situações, coisas ou pessoas que não serão tributadas: há competência para tributar, porém optam por afastar a tributação.
Hoje em dia, a Constituição Federal prevê pelo menos duas hipóteses de imunidade aplicáveis a entidades sem fins lucrativos que são importantes para essa análise.
A primeira é a imunidade a impostos, disciplinada no art. 150, VI, “c”, e § 4º, da CF, que veda a instituição de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, relacionados às finalidades essenciais, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, “atendidos os requisitos de lei”. Alcança, portanto, impostos como ICMS, ISS, IPTU, ITCMD, ITBI etc.
Os requisitos de lei acima indicados são aqueles arrolados no art. 14 do Código Tributário Nacional (CTN), que exigem que tais entidades, para usufruir da imunidade, (i) não distribuam parcela do patrimônio ou renda, a qualquer título, (ii) apliquem integralmente seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais no País e (iii) possuam escrituração fiscal e contábil de suas receitas e despesas em livros capazes de assegurar sua exatidão.
A segunda é a imunidade às Contribuições destinadas à Seguridade Social, disciplinada no art. 195, §7º, da CF, pela qual não incidem contribuições à seguridade social sobre as “entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Essa imunidade alcança, portanto, contribuições como PIS, COFINS e Contribuição Previdenciária do empregador.
As exigências estabelecidas em lei para fruição dessa imunidade estão previstas na Lei Complementar (LC) nº 187/2021, que expressamente alcança entidades beneficentes da área de saúde, educação ou assistência social. Tais exigências são mais específicas do que aquelas previstas no art. 14 do CTN, pois demandam considerável contrapartida em favor sociedade, como quantidade mínima de bolsas de estudo, prestação de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), além de uma certificação especial (CEBAS).
De antemão, deve-se considerar que impostos são tributos sem previsão de vinculação de sua receita a órgãos, fundos ou despesas, enquanto contribuições, por sua própria natureza, devem ter a vinculação de sua receita a uma despesa específica e autorizada na CF. Portanto, as imunidades dos impostos (art. 150, VI), não alcançam as contribuições à seguridade social (art. 195, §7º), existindo diferentes requisitos para cada uma delas.
Como decorrência dessas regras, há entidades sem fins lucrativos que podem ser (i) imunes a impostos e a contribuições sociais ou (ii) imunes a impostos, mas não imunes a contribuições sociais, caso não cumpram os requisitos da LC nº 187/2021.
Aqui surgem alguns benefícios fiscais previstos na Medida Provisória nº 2.158-35/2021. As entidades sem fins lucrativos não sujeitas à imunidade de contribuições, porém imunes aos impostos (ou seja, cumprem os requisitos do art. 14 do CTN e não possuem CEBAS), estarão também isentas da COFINS e calcularão o PIS à alíquota de 1% sobre a folha de salário (e não sobre o faturamento). Esses benefícios alcançam instituições de ensino e de assistência social, além de entidades de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico, associações civis, entre outras.
No que se refere ao novo sistema tributário que será implementado a partir da Reforma Tributária, tributos como COFINS, PIS, ISS e ICMS serão substituídos pela CBS e pelo IBS. A CBS será uma contribuição à seguridade social (incluída no art. 195, V), enquanto o IBS será um imposto cobrado pelos Estados, Distrito Federal e Municípios (incluído no art. 156-A).
Fossem aplicadas as disposições atuais acerca de imunidades de impostos e contribuições ao terceiro setor, seria necessário que as entidades possuíssem CEBAS para que fruíssem também da imunidade da CBS. No entanto, não é o que ocorrerá.
Segundo as disposições da EC nº 132/23, tanto a CBS quanto o IBS estarão sujeitos às regras de imunidades previstas no artigo 150, VI, da CF, não se lhes aplicando (especialmente no que se refere a CBS), a previsão do art. 195, §7º, da CF.
Em outras palavras, as “instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos” que atualmente usufruem de imunidade de impostos também poderão usufruir da imunidade da CBS e do IBS, ainda que atualmente não sejam imunes ao PIS e à COFINS, em razão do não cumprimento da LC nº 187/2021. Os “requisitos de lei”, ao menos de acordo com as atuais disposições do PLP 68/2024 serão as mesmas previstas no art. 14 do CTN.
Pode-se concluir, portanto, que a extinção do PIS, COFINS, ICMS e ISS e a instituição do CBS e do IBS possuem um efeito positivo e um efeito negativo para as entidades beneficentes.
O efeito positivo consiste na condição de que as entidades que atualmente sejam imunes a impostos, como o ISS, porém não possuam CEBAS (sujeitas à isenção da COFINS e ao benefício fiscal do PIS), estarão imunes à CBS e ao IBS. Assim, os requisitos exigidos para usufruir da imunidade serão menores, aumentando o número de entidades que aproveitarão a imunidade.
Não se olvide, por outro lado, que o CEBAS será imprescindível à fruição da imunidade referentes a outras contribuições, a exemplo da Contribuição Previdenciária do empregador.
O efeito negativo consiste no fato de que, em tese, benefícios indiretos às entidades sem fins lucrativos provavelmente não serão refletidos na legislação da CBS e do IBS, a exemplo da possibilidade de pessoas jurídicas deduzirem do ICMS e do ISS o valor de doações a tais organizações. Isso, porque a EC nº 132/2023 veda qualquer hipótese de benefício fiscal ou financeiro.
Por fim, não podemos deixar de mencionar que há outras matérias relevantes às entidades sem fins lucrativos que estão sendo tratadas na regulamentação da Reforma Tributária sobre o consumo.
Um exemplo é o caso do ITCMD que, na redação atual do PLP nº 108/2024, se passa a exigir que a entidades sejam consideradas de “relevância pública e social” (dedicadas à promoção dos direitos fundamentais) e estabelece que a imunidade será reconhecida a partir da data do protocolo de declaração da entidade atestando o cumprimento dos requisitos legais à Secretaria da Fazenda do Estado ou do Distrito Federal, não sendo mais exigível reconhecimento prévio ou certificação pelo ente federado.
Ressaltamos que tais requisitos e procedimentos aqui tratados ainda estão em processo de deliberação no Congresso Nacional e poderão sofrer alterações significativas até sua aprovação e publicação.
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